Praga: entre o sonho, o chão e a insustentável leveza de ser
Por Concita ( Maria da Conceição Correia
Pereira)
“Einmal
ist keinmal.”
Uma
vez é nenhuma vez.
Uma
vez não é nunca.
Milan Kundera
Durante
anos, Praga me parecia inalcançável não apenas pela distância geográfica, mas
por um sentimento de exílio íntimo.
Li
A Insustentável Leveza do Ser numa fase em que o amor e a liberdade pareciam
opostos inconciliáveis.
Assisti
ao filme depois, já com a imagem dos personagens gravada em mim, e então desejei
ver com meus próprios olhos aquela cidade silenciosa, densa de história, palco
de amores tão contraditórios quanto os meus próprios.
Mas
jamais imaginei, naquela época, que um dia estaria ali, em Praga, com o livro
na bagagem e a trama na pele, caminhando pelas mesmas ruas onde Tomáš, Tereza e
Sabina foram filmados, onde os dilemas de Kundera foram transpostos em corpos,
olhares e escolhas.
Foi
uma viagem no tempo…não apenas no tempo histórico da antiga Tchecoslováquia e
hoje República Checa, mas no tempo interno da minha própria compreensão do
amor, do desejo e da finitude.
Estar
em Praga foi como caminhar dentro de uma metáfora viva.
As
ruas que percorri pareciam ecoar os passos silenciosos de Tomáš e Tereza, os
olhares de Sabina, os desvios e contradições que a vida impõe a quem ama e
teme, deseja e recua.
Vi
as margens do Vltava e imaginei a leveza das promessas e o peso das escolhas que
os personagens carregavam…como se a própria cidade os tivesse abrigado nos
becos da alma.
Kundera,
naquele romance-labirinto, nos apresenta um dilema que me persegue desde então:
É
melhor viver com leveza, fugindo dos apegos e das dores? Ou aceitar o peso que
o amor impõe, com suas exigências, limites e eternidades passageiras?
Tereza
ama com o peso da alma. Ama para dentro, ama com entrega.
Tomáš
tenta manter-se leve, fiel à liberdade de seu corpo e ideias. Mas a vida, como
a cidade os cerca, os molda, os transforma.
Sabina,
por sua vez, é a encarnação da fuga: sempre adiante, sempre livre, até que essa
liberdade se revele também um tipo de solidão irreversível.
E
então, em Praga, algo em mim começou a compreender melhor as dicotomias que
impomos às nossas próprias experiências amorosas.
Acreditamos
que amar precisa ser leve para não doer, ou pesado para ter valor.
Esquecemos
que o amor com verdade não se encaixa nesses extremos…ele se move entre eles.
Ele
é, por vezes, leve como a brisa que nos toca pela manhã e, em outros momentos,
denso como o silêncio compartilhado entre dois corpos que se conhecem no
escuro.
Ao
percorrer os lugares onde o filme foi rodado, o que mais me tocava não era o
cenário em si, mas o cenário dentro de mim, aquele que a história despertava:
–
as minhas próprias tentativas de equilibrar liberdade e entrega,
–
o reconhecimento das marcas que o afeto deixa mesmo quando (ou especialmente
quando) tentamos negá-lo,
–
o desejo de viver algo tão inteiro quanto efêmero, como a noite em que Tomáš e
Tereza dançam e a morte os acolhe em paz.
Talvez
seja isso o que mais me fascina na história: ela não explica o amor, ela o
expõe em sua condição trágica e bela.
Ela
nos mostra que, por mais que fujamos, o que nos constitui de verdade é essa
trama imperfeita que nos atrela uns aos outros: os desejos, os silêncios, as
partidas, a ternura que resiste.
Ao
voltar da viagem, guardei comigo a sensação de que Praga como o amor não se
compreende com os olhos, mas com o tempo.
E
hoje, cada vez que relembro essa travessia, me pergunto menos sobre o que é
certo ou errado, leve ou pesado… e mais sobre o que me toca com verdade.
Porque,
no fundo, é isso que fica:
os
instantes em que nos deixamos ser.
Mesmo
que depois venham a doer.
Mesmo
que durem pouco.
Mesmo
que só uma vez.
“Às
vezes a gente vive um amor tão raro
que
não precisa entender.
Só
guardar como quem recolhe um fragmento do infinito.”
Ipê Perniagem
Nota
da autora:
Escrevi esta crônica como quem revisita não só uma cidade, mas um tempo da alma. Praga, para mim, tornou-se paisagem externa e interna, lugar onde a literatura encontrou minha história e onde compreendi, mais uma vez, que amar é aceitar que tudo o que importa pode ser leve e pesado ao mesmo tempo. E eu sei que minha liberdade está comigo !
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